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23 junho 2010

QUEM É O MONSTRO, AFINAL?

Há algumas semanas, o mundo ficou estarrecido com a notícia de que no Maranhão havia um novo Josef Fritzl, homem que manteve a filha Elisabeth, de 42 anos, aprisionada em um porão durante 24 anos. Na versão tupiniquim, o lavrador José Agostinho Bispo Pereira, de 54 anos, foi preso após denuncia de que ele abusava sexualmente da filha com quem teve sete filhos.
Como desgraça pouca é bobagem uma sequência de novos Josef Fritzl foram surgindo: em Barreirinhas o pai abusava de suas cinco filhas, três menores (10, 12 e 14 anos) e duas maiores (18e 21 anos de idade); em Pinheiro, outro lavrador, Raimundo Pimentel Correia, de 69 anos, foi preso acusado de estuprar a filha de 12 anos, além de permitir com que mais cinco filhos com idades entre 10 e 16 anos, também abusassem da vítima.
Em toda essa história, o que mais me chamou a atenção, além da barbaridade promovida pelos “pais” e familiares das vítimas, foi o sensacionalismo promovido pela imprensa (como é costumeiro): na Rede TV! no A Tarde é Sua da Sônia Abrão, o repórter, Tony Castro (que não é o da Mirante),  explora a ignorância do pai, que se diz vítima no caso. Mas uma fala do repórter me levou à reflexão: “O senhor sabia que em todo o Brasil estão te chamando de monstro?”
Pensando sobre o assunto, dou-me à liberdade para levantar algumas reflexões:

Quem é o monstro, afinal?
1 – Um homem ignorante, que vive no interior do interior do Estado do Maranhão, um dos estados mais pobres da federação e com maior nível de analfabetismo do Brasil?

ou
2 – Um jornalista por acidente, advogado por formação que por várias décadas explora a ignorância deste povo; sem educação; que por viver abaixo da linha da pobreza, sendo miserável vende o seu voto em troca de uma cesta básica, uma caixa de remédio, um par de calçados, uma dentadura?...

ou
3 – Um “cidadão” que tira o pão da boca de um povo faminto, que não se envergonha de colocar os recursos desviados na cueca, na meia, em malas... enquanto o povo morre de fome, ou nas filas imensas dos hospitais que não tem leito, que não tem médicos suficientes (por receberem um salário indigno, ou por precisarem descansar devido à rotina estressante de trabalho dobrado nos plantões)?

ou
4 – O cidadão que desvia o dinheiro do INSS, e o envia a paraísos fiscais, enquanto o pai de família que trabalhou duro durante toda a vida, de sol a sol, que abdicou do lazer para que seus filhos tivessem o mínimo de educação, para não faltar o pão na boca de seus filhos e para ter , pelo menos durante a velhice, uma vida digna sem precisar de ajuda de ninguém, sofre em filas para obter o benefício da aposentadoria, ou para receber os míseros trocados que quase não pagam os vários remédios que vão lhes permitir mais alguns poucos anos de existência, quando o recebem?

ou,
5 – os políticos que recebem um salário de cerca de 40 vezes mais que o salário mínimo, salário esse que dizem ser suficiente para que um pai possa pagar a educação, comprar a vestimenta, o alimento, o remédio de seus seis filhos, pagar a conta de luz, de água, telefone, o gás e ainda sobra para o lazer; esses mesmos políticos que aprovam um aumento de 5% para o povo e de mais de 100% para eles mesmos?

ou
6 – Alguém que trabalha junto ao seu grupo político, para que recursos destinados a diminuir a fome de um povo, sejam negados, por conta de interesse meramente político, sem se importar com o penar de milhares de cidadão?
ou
7 – Alguém que utiliza de materiais de pouca qualidade para construção de apartamentos residenciais sabendo que possivelmente a obra vai ceifar a vida das dezenas de moradores?

ou,
8 – Um cidadão que produz medicamentos no fundo do quintal, que não tratam de fato a doença ou que irão provocar a morte dos pacientes?
  
Ou,

ou,

ou...

Levanto a discussão, não que queira justificar o crime bárbaro e reprovável cometido pelo agricultor, mas para que sejamos coerentes ao creditar determinados epítetos, que eles sejam dirigidos a quem de fato os mereçam.
É justo nos chocarmos com o que não é comum, com o que parece estar fora dos padrões adotados pela nossa sociedade, mas não devemos nos acomodar, aceitar e ter como normais fatos que ocorrem costumeiramente.
Devemos nos indignar com o lavrador que estuprou as próprias filhas, mas devemos nos indignar, antes, por todos os políticos e líderes religiosos, a quem damos um voto de confiança, por estuprar as nossas crianças inocentes, em troca de algumas moedas ou de chantagem emocional. Devemos nos indignar, antes, pelo estupro de nossas leis, que são utilizadas por quem tem recursos para pagar os melhores advogados e livrá-los da prisão mesmo tendo cometido desvios de milhões em reais destinados à educação, ou à compra de alimentos que salvaria milhares de vidas; pelo estupro da justiça que deixa impune os verdadeiros bandidos, malfeitores e corruptos, enquanto o homem que rouba uma galinha para sustentar os seus filhos com fome cumpre pena sem julgamento e descobre na pele o infortúnio de ter nascido pobre, negro, por não ter tido oportunidades na vida profissional, e por não ter ninguém que o acolha e lhe dê uma mão que o ajude.

É por tudo isso que pergunto: quem é o monstro, afinal?