Ex-presidente pede anistia para condenados
por atos antidemocráticos, mas esquece o próprioImagem da Internet
discurso de 2018 sobre o tema.
Emerson Marinho*
Em uma entrevista recente, o ex-presidente Jair
Bolsonaro surpreendeu ao solicitar que o presidente Lula assine um pedido de
anistia para os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023,
quando apoiadores radicais invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o
Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. “O presidente Lula tem que
ter um bom coração e assinar a anistia para quem foi condenado injustamente,
porque estavam lutando por um Brasil melhor. É o mínimo que ele poderia fazer,”
declarou Bolsonaro, em um tom que pareceu evocar compaixão e misericórdia.
Mas o pedido do ex-presidente traz consigo uma
incoerência gritante, uma vez que Bolsonaro, em 2018, tinha uma visão bem
diferente sobre anistia quando o tema envolvia o ex-presidente Lula. Na época,
em meio às eleições presidenciais e durante a campanha de Fernando Haddad,
candidato do PT que carregava a bandeira do “Lula Livre”, Bolsonaro foi claro e
contundente: “Se o Lula espera que o Haddad ganhe para dar a ele anistia, ele
pode tirar o cavalo da chuva. Se depender de mim, o Lula vai apodrecer na
cadeia.”
A mudança de tom é, no mínimo, curiosa. Naquele
momento, Bolsonaro defendia uma punição implacável, sem concessões, e chegou a
declarar que Lula merecia “apodrecer na cadeia.” Agora, ele pede justamente o
contrário, mas para seus próprios aliados, muitos dos quais foram capturados em
flagrante durante os atos de vandalismo que chocaram o Brasil e o mundo. Aquele
discurso duro e inflexível do passado parece ter sido substituído por um apelo
à compaixão. Será que a empatia de Bolsonaro só funciona quando lhe convém?
O presidente Lula, por sua vez, já se manifestou
sobre o tema da anistia em outras ocasiões. Lula relembrou que, quando esteve
preso, também buscou anistia, mas em circunstâncias bem distintas. Segundo ele,
“Naquele momento, minha prisão era uma questão política, e eu acreditava que a
anistia poderia corrigir uma injustiça histórica. Mas não é o caso aqui.
Anistia é um perdão que vem depois da condenação, e ninguém pode pedir perdão
para quem ainda nem foi condenado.”
A diferença entre os discursos é clara. Para
Lula, anistia deve ser aplicada em casos onde há uma injustiça evidente e uma
condenação já estabelecida. No caso dos envolvidos nos atos antidemocráticos de
8 de janeiro, muitos ainda aguardam julgamento e investigações estão em
andamento. Não há sequer uma condenação formal para a maioria dos envolvidos.
Além disso, como enfatizou o presidente, anistiar tais atos seria abrir um
perigoso precedente para que novos atentados contra a democracia se repitam
impunemente no futuro.
A tentativa de Bolsonaro de buscar anistia para
seus seguidores, ao mesmo tempo que foi inflexível com seus adversários, revela
uma incoerência difícil de ignorar. Afinal, onde está a justiça de um “bom
coração” que perdoa seus aliados, mas que queria ver seus opositores “apodrecerem
na cadeia”? Ao que tudo indica, a compaixão do ex-presidente é seletiva, e seu
pedido nada mais é do que uma tentativa de blindar seus aliados dos crimes
cometidos em pleno ataque às instituições democráticas do país.
A tentativa de Bolsonaro de buscar anistia para
seus seguidores, parece ter um interesse bem mais pessoal do que ele quer fazer
parecer. Ele sabe que qualquer responsabilização desses apoiadores pode abrir
caminho para que ele também seja julgado e condenado por incitação e apoio a
esses atos. Lembremos que durante a pandemia de covid-19, quando o Brasil viu
mais de 700 mil vidas serem ceifadas, o ex-presidente não demonstrou nem pouco
de empatia, pelo contrário, ele ironizou o sofrimento das vítimas, chegando a
imitar pessoas que lutavam para respirar. A “anistia” que ele pede agora é, na
verdade, uma tentativa de autopreservação; a compaixão para ele é uma questão
de conveniência, e não de princípio.
A verdade é que quem cometeu crimes em 8 de
janeiro deve pagar por seus atos. Não se trata de um ato de “bom coração” ou de
“perdão cristão”, mas de responsabilidade com o Estado Democrático de Direito e
com a população brasileira, que merece ver a lei sendo aplicada igualmente para
todos. A anistia neste contexto, como quer Bolsonaro, seria um desastre para a
democracia, uma verdadeira carta branca para novos atos de violência e
desrespeito às instituições.
Para garantir que o Brasil avance como uma nação
democrática e justa, é essencial que aqueles que incitaram e participaram de
ações violentas sejam responsabilizados. Anistia? Só depois que a justiça fizer
seu trabalho, e mesmo assim, apenas se houver um verdadeiro motivo para tal.
*Bacharel em Comunicação Social