Emerson Marinho*
Em diferentes momentos, o Benefício de Prestação
Continuada (BPC) tornou-se o centro de debates acalorados sobre políticas
sociais e responsabilidades fiscais no Brasil. Tanto no governo de Jair
Bolsonaro, em 2022, quanto agora, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em
2024, o veto presidencial sobre a ampliação do critério de renda para acesso ao
BPC gerou discussões que transcendem a administração do programa. Embora o
impacto imediato de ambas as decisões seja semelhante — a exclusão de cerca de
500 mil brasileiros, entre idosos e deficientes, que teriam acesso ao benefício
caso o limite fosse elevado —, as justificativas e o contexto político de cada
governo revelam abordagens diferentes para lidar com o mesmo dilema.
Em 2022, o governo Bolsonaro vetou a ampliação do
limite de renda per capita para acesso ao BPC de 1/4 para 1/2 do salário
mínimo, proposta que havia sido aprovada pelo Congresso Nacional. A
justificativa do então presidente foi essencialmente fiscal: a medida violaria
a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), já que o aumento de beneficiários teria
um impacto significativo no orçamento da União sem a indicação de uma fonte de
receita para custeá-lo. A decisão foi amplamente criticada por movimentos
sociais e economistas que apontaram para uma postura de insensibilidade diante da
população mais vulnerável do país. Para muitos, o veto simbolizou uma
priorização de ajustes fiscais em detrimento da proteção social, refletindo a
agenda econômica do governo Bolsonaro.
Agora, em 2024, o governo Lula enfrenta o mesmo
dilema, mas em um cenário econômico e político distinto. O veto do atual
presidente à tentativa do Congresso de elevar o limite de renda para acesso ao
BPC também foi embasado em preocupações fiscais, mas a narrativa adotada pelo
governo difere significativamente. Lula justificou o veto como uma decisão
necessária para preservar o orçamento destinado a outros programas sociais,
como o Bolsa Família, que beneficia um número muito maior de brasileiros e
possui critérios de acesso menos restritivos. Segundo o governo, manter o limite
em 1/4 do salário mínimo garante que os recursos do BPC sejam direcionados às
pessoas em situação de maior vulnerabilidade, enquanto possibilita o
financiamento de políticas sociais mais abrangentes.
Embora os vetos de Bolsonaro e Lula tenham o
mesmo impacto prático — a exclusão de milhares de brasileiros do acesso ao BPC
—, as posturas adotadas pelos dois governos evidenciam diferenças
significativas. Bolsonaro enfrentou críticas por sua postura considerada
excessivamente fiscalista, enquanto Lula busca enquadrar sua decisão como parte
de uma estratégia mais ampla de proteção social. Ainda assim, as críticas ao
veto atual mostram que, mesmo sob um governo com um discurso voltado à justiça
social, a questão orçamentária permanece como um obstáculo à ampliação de
direitos para os mais pobres.
O papel do Congresso Nacional também é central
nesse debate. Em ambas as situações, foi o Legislativo que propôs a ampliação
do critério de renda, mas os vetos presidenciais acabaram prevalecendo. No
entanto, a decisão final não está necessariamente encerrada: cabe ao Congresso
agora deliberar se derrubará ou não o veto de Lula. Essa decisão dependerá da
articulação política entre os parlamentares e da pressão de setores da
sociedade civil que demandam maior inclusão social. A história recente,
entretanto, mostra que derrubar vetos presidenciais é uma tarefa politicamente
desafiadora, sobretudo em um Congresso fragmentado e permeado por disputas de
poder.
A esperança é que o Congresso Nacional, com seu
papel de mediador entre os poderes, encontre um caminho que equilibre as
demandas por justiça social com a necessidade de sustentação fiscal. Afinal,
políticas públicas eficazes devem priorizar não apenas o equilíbrio das contas,
mas também a dignidade e o bem-estar dos cidadãos mais vulneráveis.